Sistema centralizado ou descentralizado de esgotamento sanitário, qual é o melhor?

12/04/2024, 18:00:43, última atualizacao 12/04/2024

8 min de leitura

Autor: Tiago Borges 

Os sistemas de esgotamento sanitário (SES) são constituídos pelas etapas de coleta, transporte, tratamento e disposição final do esgoto.  Estão inseridas nas etapas de coleta e transporte, unidades como redes coletoras, interceptores, emissários e estações elevatórias (EE), que tem como objetivo coletar e encaminhar o esgoto sanitário, à etapa posterior, o tratamento, que se dá em uma estação de tratamento de esgoto (ETE). Como última etapa, tem-se a disposição final do efluente tratado, tipicamente realizada em corpos de água, mas que também pode ser aproveitado para diversos usos.

Essa é a configuração clássica que se tem em mente quando se trata de sistema de esgotamento sanitário e a ela, damos o nome de sistema centralizado de tratamento de esgoto. No entanto, apesar de sua hegemonia, a configuração centralizada é apenas uma das alternativas possíveis de serem adotadas quando o assunto é a concepção de um sistema de esgotamento sanitário. Especialmente para cenários de baixa densidade demográfica, surge a possibilidade de utilização de concepções diferentes, os sistemas descentralizados, que também podem ser adequadamente aplicados respeitando a realidade e necessidades de cada local.

Se você quer saber mais sobre sistemas centralizados e descentralizados de esgotamento sanitário, assim como as condições em que a aplicação de cada um deles é mais adequada, siga conosco na leitura deste post.

Diferentes sistemas para diferentes aplicações

Os sistemas centralizados podem ser entendidos como soluções para o tratamento de esgoto de uma ou mais bacias de esgotamento, que promovem a reunião dos esgotos em um número bastante reduzido de ETEs, normalmente uma, situada na região de menor cota geométrica da bacia de esgotamento, no intuito de favorecer o escoamento em regime livre, imperioso nas redes coletoras e interceptores dos SES. Essa gestão centralizada do esgoto sanitário é amplamente aplicada em regiões com elevada densidade demográfica e/ou nível de urbanização, resultando no transporte e tratamento de grandes volumes, o que, consequentemente, exige instalações de grandes dimensões, bem como elevados investimentos financeiros para implantação, operação e manutenção.

Os custos de implantação das redes coletoras típicas de sistemas centralizados representam cerca de 75% do custo de implantação total do sistema de esgotamento sanitário, frente a 15% relativos à ETE, o que demonstra a importância do sistema de coleta1. Adicionalmente, devido à restrição física e aos elevados valores praticados por m², ambos promovidos pelo adensamento demográfico, as soluções tipicamente adotadas para as ETEs centralizadas são baseadas em tecnologias compactas intensivas, visando a maximizar o uso da área, o que geralmente resulta em expressiva demanda energética e, consequentemente, elevado custo de operação.

Por outro lado, o alto valor das obras de implantação de redes coletoras e de ETEs centralizadas para as cidades de pequeno porte tem sido considerado uma das grandes barreiras político-econômicas para tais ações. De forma similar, as áreas rurais, são caracterizadas pela baixa densidade demográfica, o que implica em maiores extensões unitárias de redes (km/habitante), reduzindo a viabilidade econômica, técnica e operacional de tais soluções, o que, historicamente, resultou no seu negligenciamento devido ao princípio da economia de escala.

Especialmente para essas condições supracitadas, verificadas nas aglomerações de pequeno porte e/ou com ampla dispersão no território, sistemas descentralizados podem ser a alternativa mais apropriada.

Os sistemas descentralizados podem ser representados por soluções dinâmicas, similares às centralizadas, porém com atendimento de menores áreas e quantidades de pessoas, seja por atender núcleos urbanos isolados ou aglomerados rurais, ou mesmo por se tratar do atendimento parcial de uma população. Essa condição reduz a magnitude da unidade coletora, além de possibilitar o uso de sistemas de tratamento extensivos, tipicamente baseados na natureza (SbN), com menor complexidade e custos de implantação e operacional, mesmo que seja necessário maiores áreas, pois, em geral, são áreas distantes de centros urbanos e com valor comercial reduzido.

Adicionalmente, tem-se os sistemas estáticos, também enquadrados nos sistemas descentralizados, porém, sem a etapa de coleta e transporte. Em outras palavras, são unidades diretamente interligadas aos ramais prediais dos domicílios atendidos, normalmente unifamiliares.

Soluções tecnológicas

Diversas soluções tecnológicas podem ser aplicadas aos sistemas centralizados e descentralizados de esgotamento sanitário, os quais são condicionados por fatores como volume de esgoto a ser tratado, área disponível para implantação da ETE, condições topográficas e geológicas da bacia, recursos financeiros disponíveis, necessidade de enquadramento à legislação pertinente para o lançamento do efluente ou para a produção de água para reúso.

Sistemas centralizados

ETE ArrudasReferente aos sistemas centralizados, soluções tecnológicas tipicamente utilizadas são os processos aeróbios, dentre os quais se destacam as diferentes variantes de lodos ativados: convencional, aeração prolongada e em batelada. Esses sistemas são aplicados em cenários de severa restrição de área e demanda por elevadas eficiências na remoção de carga orgânica e de nitrogênio amoniacal. No entanto, ressalta-se a elevada demanda energética e geração de lodo dessas tecnologias, por se tratar de sistemas aeróbios, com aporte eletromecânico de oxigênio.

Solução tecnológica adicional que pode ser aplicada aos sistemas centralizados é o reator de fluxo ascendente e manta de lodo (UASB, do inglês upflow anaerobic sludge blanked), especialmente como solução predecessora de alguma das unidades aeróbias mencionadas anteriormente ou, ainda, outra unidade de uso típico no pós-tratamento, como o filtro biológico percolador (FBP), por exemplo. Esse arranjo possibilita a remoção de parte expressiva da matéria orgânica no reator UASB, sem consumo de energia elétrica e produzindo biogás, gás com elevado conteúdo energético e passível de aproveitamento, além de possibilitar a digestão anaeróbia do lodo produzido.

Sistemas descentralizados

Especificamente para os sistemas descentralizados dinâmicos, aplicados a pequenos aglomerados populacionais, podem ser empregadas tecnologias similares às mencionadas anteriormente, porém, geralmente sem a restrição de área para a sua implantação. Essa condição amplia sobremaneira as tecnologias passíveis de uso, pois se pode optar por sistemas extensivos, com SbN, os quais proporcionam menores custos, notadamente operacionais, baixa ou nenhuma demanda energética e baixa produção de lodo, assim como operação e manutenção simplificada, não demandando mão de obra especializada.

A lista de soluções tecnológicas aplicáveis neste contexto é extensa, dentre as quais se pode destacar os diferentes arranjos de lagoas de estabilização, os wetlands construídos, o reator UASB e o tanque séptico associados a unidades de pós-tratamento. Algumas dessas tecnologias podem ser utilizadas isoladamente, como os sistemas de lagoas ou wetlands construídos (sistema francês), ou, ainda, em associações, como o reator UASB seguido de lagoa de polimento. Adicionalmente, por estarem localizados próximos de áreas de atividades agropecuárias, o uso benéfico de seus subprodutos é favorecido. Dentre esses subprodutos, pode-se destacar a biomassa vegetal (capim) produzida em algumas soluções, o efluente tratado e o biossólido produzido a partir do lodo estabilizado. O uso de soluções que não demandam energia elétrica e possibilitam a reciclagem de água e nutrientes em áreas próximas contribui para a sustentabilidade do sistema de tratamento e a promoção da economia circular e de baixa emissão de carbono. Por conseguinte, os sistemas descentralizados vêm ganhando espaço e trazem consigo a sustentabilidade como aspecto diferencial/essencial.

IMG 2517De forma similar, os sistemas estáticos unifamiliares também possibilitam tratamentos efetivos do esgoto sanitário com as mesmas vantagens dos sistemas descentralizados aplicados aos sistemas dinâmicos. Adicionalmente, tem-se a possibilidade de utilizar soluções que não empregam água no transporte de seus dejetos, atendendo regiões que sofrem escassez hídrica. Especificamente para essas aplicações, as soluções de esgotamento sanitário incluem os banheiros secos e as fossas absorventes. Outra condição que pode viabilizar o tratamento simplificado e o reúso de parte dos recursos presentes nos esgotos é a sua segregação em águas cinza e fecal, o que possibilita a aplicação de tecnologias específicas para as características físico-químicas e microbiológicas de cada uma delas, como o círculo de bananeiras e o tanque de evapotranspiração (TEvap), respectivamente.

Diretrizes sobre as tecnologias recomendadas para o tratamento de esgoto decentralizados de pequenos aglomerados populacionais e domicílios isoladas podem ser consultadas na publicação do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR)2, que inclusive apresenta uma matriz tecnológica para auxílio a tomada de decisão a partir de critérios como veiculação hídrica dos dejetos, profundidade do lençol freático e segregação dos esgotos em águas cinzas e águas fecais. Adicionalmente, o catálogo de soluções sustentáveis de saneamento da Fundação Nacional da Saúde (FUNASA)3 também fornece diretrizes sobre as soluções unifamiliares.

Por fim, ressalta-se a importância de ambos os sistemas, centralizados e descentralizados, para o atendimento dos diferentes contextos presentes na realidade brasileira.

Sistemas centralizados são essenciais para o atendimento a áreas urbanas de elevada concentração demográfica, por proporcionarem elevada eficiência de tratamento, garantindo elevados níveis de qualidade, e não demandarem áreas extensas. Por outro lado, os sistemas descentralizados podem proporcionar esgotamento adequado por meio de soluções menos intensivas, com menores custo operacional, demanda energética e emissão de GEE, além de proporcionar reciclagem de recursos de forma mais sustentável, seja em sistemas coletivo (dinâmicos) ou unifamiliares (estáticos). Somente a aplicação adequada de ambos os sistemas em seus respectivos contextos apropriados poderá proporcionar a universalização dos serviços de esgotamento sanitário.

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Referências:

1Tsutiya, M.T.; Alem Sobrinho, P. Coleta e Transporte de Esgoto Sanitário. 3. Ed. Rio de Janeiro: ABES, 2011.

2https://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/MNL_PNSR_2019.pdf.

3https://repositorio.funasa.gov.br/bitstream/handle/123456789/552/CATALOSAN.pdf?sequence=1&isAllowed=y.