Esgotamento sanitário além do domicílio: o que devemos saber sobre banheiros em espaços públicos?
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Autora: Fernanda Deister Moreira
Os serviços de saneamento são contemplados nos quatro eixos definidos pela Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/07 alterada pela Lei nº 14.026/20), sendo eles: abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo e disposição de resíduos sólidos e manejo de águas pluviais. No âmbito das políticas públicas relacionadas a esses serviços, tem-se como grande objetivo alcançar a universalização.
Essa universalização, no entanto, está majoritariamente associada ao nível domiciliar, ou seja, se toda a população domiciliada com residência fixa possui acesso ao saneamento. Especificamente para esgotamento sanitário, as métricas estão vinculadas à quantidade de banheiros em um domicílio, às ligações de esgoto, ao índice de atendimento por coleta e tratamento do esgoto e à quem são os prestadores de serviços. No entanto, a universalização deveria contemplar os grupos vulnerabilizados que não vivem ou trabalham em domicílios convencionais, como as ruas e espaços públicos – que também são locais de passagem, lazer e trânsito de pessoas que têm acesso ao saneamento domiciliar.
Não se pode falar em universalização dos serviços de esgotamento sanitário sem destacar a importância de banheiros nos espaços públicos. Considerado um mobiliário urbano vinculado ao direito humano ao esgotamento sanitário, o banheiro público também é uma infraestrutura vinculada ao direito à cidade, à saúde e à vida.
Apesar de comprovada importância, ainda pouco se debate sobre o assunto. No Brasil, não há definição clara de quem é o titular desses serviços e poucos estudos ainda são realizados no sentido de compreender as demandas e experiências tanto dos grupos de potenciais usuários quanto dos desafios da gestão pública.
Mas afinal, o que é um banheiro público? E quais são os requisitos mínimos para atender o direito humano ao esgotamento sanitário no espaço público?
De forma geral, entende-se por banheiro público o mobiliário urbano de uso comum (gratuito ou não) que esteja na beira de rua ou no interior de edifícios públicos de livre acesso e que contenham bacia sanitária e pia.
Os banheiros públicos sob a ótica do direito humanos ao esgotamento sanitário devem atender cinco padrões normativos.
1. Padrão da disponibilidade: relacionado à quantidade de banheiros em um local público, considerando o uso do espaço, tráfego de pessoas, horários de pico e área do local.
2. Padrão de acessibilidade física: considera o design do banheiro, o atendimento a públicos com deficiência e outros grupos. Por exemplo, um banheiro no subsolo de uma praça em que o acesso se dá por meio de escadas não cumpre o quesito da acessibilidade física, pois está criando obstáculos para pessoas com cadeira de rodas, idosos, gestantes, mães ou pais com carrinhos de bebê, entre outros grupos a acessar o banheiro.
3. Padrão de acessibilidade econômica: contempla o custo para acessar um banheiro. O valor cobrado não pode comprometer as economias de um indivíduo. Deve-se levar em consideração nesse quesito os grupos mais vulnerabilizados como trabalhadores da rua (catadores, ambulantes, camelôs, flanelinhas etc) e pessoas em situação de rua.
4. Padrão relacionado à qualidade e segurança desse mobiliário: o banheiro deve ser limpo, organizado, conservado e garantir segurança ao usuário.
5. Padrão relacionado à privacidade, dignidade e aceitabilidade: esse último quesito considera a necessidade de compreender as demandas de grupos como mulheres, meninas e pessoas transgênero, por exemplo, para que tenham acesso ao banheiro sem hesitação ou receios. Além disso, é nesse quesito que é avaliada a necessidade da separação por sexo dos banheiros.
Apesar de serem cinco padrões que permitem analisar o atendimento ao direito ao esgotamento sanitário no espaço público, esse direito só é assegurado quando todos os cinco estão sendo atendidos ao mesmo tempo.
Quais os benefícios associados à implantação de banheiros públicos?
A provisão adequada de banheiros públicos tem efeitos positivos na saúde, na qualidade de vida, no trabalho, na dignidade, no transporte e no lazer.
Quando há a disponibilidade de banheiros públicos, diversas esferas da vida urbana são afetadas. No que tange à saúde, pode-se exemplificar com o grupo de trabalhadores da rua que terão a possibilidade de usar o banheiro durante o dia de trabalho e não precisarão evitar beber água. Dessa forma, evita-se problemas como estresse por calor, desidratação, infecções urinárias, entre outros. No quesito qualidade de vida, pode-se citar o banheiro público como um mobiliário que atrai pessoas idosas ao espaço público reduzindo o sedentarismo (um estudo realizado em Porto Alegre identificou a falta de banheiros como um dos motivos de pessoas idosas não irem a parques e praças). No âmbito do trabalho, a presença de banheiros para trabalhadores informais (ambulantes, camelôs, catadores etc) e formais de rua (motoristas de ônibus, garis, carteiros) contribui para a promoção do trabalho decente. A presença de banheiros públicos contribui na garantia da dignidade para pessoas em situação de rua. Em relação ao transporte, a existência de banheiros incentiva o uso de transporte público e o uso de bicicletas. Por fim, a presença desse mobiliário incentiva maior dispêndio de tempo em parques e praças por pessoas a lazer.
Dessa forma, defende-se que a disponibilização de banheiros públicos é uma ferramenta para amenizar desigualdades sociais, além de ser instrumento chave para alcançar a universalização dos serviços de saneamento que não é apenas uma meta da Lei Nacional de Saneamento Básico como do sexto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS 6 – Água Potável e Saneamento) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Se não tem lei, como garantir esses serviços?
Atualmente, não há um instrumento legal que explique de quem é a responsabilidade na provisão desses serviços. Apesar disso, é possível interpretar pelo Estatuto das Cidades que o banheiro público é um mobiliário urbano de interesse local e, por isso, é serviço de titularidade municipal. De toda forma, não há como fornecer esses serviços apenas pela política urbana, uma vez que, como demonstrado, há diversos setores que têm interesse e influência na disponibilização de banheiros públicos. A intersetorialidade é, então, a chave para solucionar e planejar esses serviços. Entende-se que setores como saneamento, assistência social, planejamento urbano, saúde pública, transporte e lazer, sejam essenciais na discussão das melhores alternativas. É importante reforçar que incluir o potencial público usuário dos banheiros na discussão e compreender suas demandas e necessidades são um dos principais fatores para o sucesso na provisão de banheiros públicos, que se sabe ser desafiadora.
Que saber mais sobre banheiros públicos, acesse o artigo On-street toilets for sanitation acess in urban public spaces: A systematic review.
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