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Papel higiênico: vaso sanitário ou lixeira?

08/08/2023, 10:22:07, última atualizacao 14/08/2023

9 min de leitura

Autor: Rafael Pessoa Santos Brochado

Um assunto bastante comentado pelos brasileiros está relacionado ao descarte do papel higiênico. Em vários estabelecimentos vê-se placas nos banheiros indicando “favor não jogar o papel higiênico no vaso sanitário”. Poucas pesquisas versam sobre como esse descarte é feito no Brasil. No sul de Minas Gerais, Franco (2012)1 concluiu que o descarte de papel higiênico ocorria primordialmente nos cestos de lixo em detrimento do vaso sanitário. Para a região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), Brochado (2018)2 teve a mesma constatação, sendo que o descarte do papel higiênico era mais frequente nos cestos de lixo para famílias de renda inferior a 3 salários mínimos e excepcionalmente mais frequente no vaso sanitário para as famílias com renda superior a 9 salários mínimos. Baseado nesses dados, é notável que a representatividade da realidade brasileira é mais compatível com famílias de baixa renda, o que é um indicador de que o descarte majoritário de papel higiênico no Brasil é realizado em cestos de lixo. Mas, será que o papel higiênico não poderia ser descartado no vaso sanitário? Não dá problema? Descartar na lixeira é melhor? E como isso acontece em outros lugares do mundo? É o que vamos tentar descobrir.

Sabemos que infelizmente há uma tendência em se utilizar os aparelhos sanitários, principalmente os vasos sanitários, como destino de diferentes detritos, o que causa inúmeros problemas nas partes constituintes dos sistemas de esgotamento sanitário. Leia nosso blog “O esgoto que chega em nossas ETEs”.

Mas, será que o papel higiênico faz parte desses detritos inadequados para o descarte? Como definir o que pode ou não ser lançado nos aparelhos sanitários? Qual o papel do usuário na decisão do que deve ou não ser descartado no sistema de esgotamento sanitário? Quer saber mais sobre esse assunto e entender sua responsabilidade nessa história toda? Te convidamos a fazer essa leitura para entender como fazer a sua parte!

Existem critérios definidos para descartar materiais sejam eles sólidos ou líquidos pelos aparelhos sanitários?

Embora no Brasil as bases para descarte de materiais sejam eles sólidos ou líquidos pelos aparelhos sanitários não estejam totalmente estabelecidas, um grupo internacional, o International Water Services Flushability Group, composto por diversas instituições relacionadas ao saneamento, estabeleceu 5 critérios para esta finalidade. Os critérios foram criados, principalmente, para regulamentar o uso de lenços umedecidos, que são um grande fator de entupimento das redes coletoras na maioria dos países desenvolvidos, sendo eles:

1. Segurança ambiental na composição do material: a presença de fibras plásticas deve ser menor que 1% do material. A presença de fibras plásticas não deve ser intencional.

2. Desentupimento do vaso sanitário: é inaceitável que seja necessário o uso de desentupidor para remover o produto em que foi dado descarga no vaso sanitário. A cada descarga, a distância percorrida pelo produto na rede coletora de esgoto não deve decrescer consistentemente após 5 descargas sucessivas.

3. Desintegração: o percentual da massa seca total inicial passante por uma peneira de 25 mm, após 30 minutos de teste, deve ser maior que 80%. Este resultado deve ser reforçado com um exame visual, contendo fotos dos sólidos retidos na peneira.

4. Sedimentação: o material deve sedimentar em uma velocidade média de pelo menos 1 mm por segundo em uma distância total de 1.150 mm. Se o teste for bem sucedido, o material (ou parte desintegrada do material) não deve ainda flutuar por mais de 300 mm em um período de 24 horas.

5. Biodesintegração: após o material ser incubado com lodo anaeróbio de esgoto por 28 dias a 35 °C, o material deve passar por uma peneira de 1 mm. Para ser aceito, o material passante na peneira deve ser superior a 95%.

Lendo esses critérios, já conseguimos saber que de imediato vários detritos não são adequados para serem descartados no vaso sanitário, não é mesmo? Camisinha, embalagens plásticas, fio dental, cotonete, contém plásticos, ou seja, não passam pelo critério 1. Absorventes e a grande maioria dos lenços umedecidos não passam pelo critério 3 de desintegração, logo também não devem ser descartados no vaso sanitário. Todos esses itens, e outros como cabelo, ponta de cigarro, algodão, remédio, areia (a lista é grande e com itens que você nem imagina…) se descartados no vaso sanitário irão ocasionar problemas no sistema de esgotamento sanitário, e, consequentemente, maiores gastos para os responsáveis pelos serviços de coleta e tratamento de esgoto. Inevitavelmente, esse custo vai acabar retornando para o nosso bolso, então, não se esqueça: lixo é no lixo! Mas, e o papel higiênico? Calma, vamos chegar lá…

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O papel higiênico merece um destaque especial pela dúvida que gera. Afinal, em diversos países o seu descarte é feito diretamente no vaso sanitário. Inclusive, em diversos países há um slogan do que pode ser descartado no vaso sanitário – os 3 “P” (IWSFG, 2023)3

Poo, pee and toilet paper, que significa, fezes, urina e papel higiênico.

Em estudo realizado por Brochado (2018), também foi investigado o motivo do descarte da população da RMBH ser majoritário nos cestos de lixo. Pelas entrevistas realizadas, constatou-se que a razão do descarte na lixeira era o receio de entupimento do vaso sanitário, embora a maioria das pessoas que alegaram esse motivo nunca tivessem presenciado a ocorrência de entupimentos.

Vamos para alguns mitos no que tange ao descarte do papel higiênico no vaso sanitário:

1. “O Brasil não possui sistema de esgotamento sanitário completo na maioria dos lugares, por isso é melhor jogar na lixeira”. É verdade que carecemos muito da coleta e do tratamento do esgoto em nosso país, mas a situação de resíduos sólidos, acreditem, é ainda pior, ou seja, descartar na lixeira em um local que não possui disposição adequada de resíduos sólidos, também não é uma solução ideal, pois acabará acarretando impactos à saúde pública e ao meio ambiente.

2. “O papel higiênico prejudica o tratamento do esgoto”. Não existem quaisquer evidências nesse sentido, tanto que em ETEs de diversos países o papel higiênico é recebido junto com o esgoto sem problemas. O que ocorre é que a celulose é dificilmente degradada no tratamento biológico, logo, ela acaba por sair do sistema por meio do lodo de esgoto. Na Holanda, existem pesquisas no sentido de aproveitar essa celulose, inclusive.

3. “A nossa tubulação é mais antiga, e de outros países são melhores e maiores”. Bom, em muitos casos pode ser que de fato sejam maiores, quando a cidade adota um sistema unitário (esgoto e água de chuva são transportados em conjunto na mesma tubulação). No entanto, muitas cidades de países que adotam o descarte do papel higiênico no vaso sanitário possuem um sistema separador absoluto (esgoto e água de chuvas transportados separadamente), como é usualmente adotado aqui no Brasil, e os critérios de velocidade (diretamente relacionados a declividade) e diâmetro da tubulação são bastante similares. Podem ter certeza, também, que na grande maioria das cidades europeias a tubulação é mais antiga do que a nossa, afinal, eles construíram muito antes de nós e trocar tubulações não é um processo simples e barato. Em suma, se a tubulação brasileira fosse de fato o gargalo, por que em grande parte dos países desenvolvidos há tantos problemas de entupimento envolvendo os lenços umedecidos?

Bom, esclarecidos alguns mitos, qual seria, então, o problema do descarte do papel higiênico no vaso sanitário? O principal problema de fato seria o risco de entupimento das tubulações e aparelhos sanitários. É evidente que esse risco depende também do bom senso da quantidade de papel higiênico utilizada, mas principalmente de um fator muito importante que vimos há pouco: a capacidade de desintegração, ou seja, a capacidade que ele tem de se despedaçar ao se misturar com água. Brochado (2018), em seu trabalho de conclusão de curso, testou papeis higiênicos de diferentes marcas comercializadas no Brasil (folha simples, dupla e tripla), Colômbia, Espanha e França que foram submetidas ao teste de desintegração. E qual foi o resultado?

Praticamente todos os papeis higiênicos brasileiros não se desintegraram, enquanto os demais, se desintegraram em algum nível, o que foi visivelmente perceptível.

 

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Papel higiênico colombiano (folha dupla) à esquerda e papel higiênico brasileiro (folha dupla) à direita, após serem misturados com água com a mesma turbulência em um jar-test.

Mas porque o papel higiênico brasileiro, no geral, não se desintegra?Possivelmente por alguma diferença durante o processo de produção do papel higiênico utilizado no Brasil. O que poderia mudar esse paradigma é uma regulação para que o papel higiênico que produzimos se desintegre na tubulação. E quais seriam então as vantagens disso?

  • Evitaria o contato com um resíduo potencialmente infectante (para o usuário que precisa abrir a lixeira e, também, para os lixeiros e funcionários de limpeza).
  • Redução da demanda de transporte de resíduos via caminhão e consequente redução de gases de efeito estufa devido ao uso de combustíveis fósseis.
  • Pedaços de papel higiênico poderiam absorver parte da gordura presente no esgoto das redes coletoras, reduzindo incrustações.
  • Reúso potencial da celulose, uma vez que a separação em aterro sanitário é muito mais complexa.
  • Redução do uso de sacolas plásticas para acondicionamento do papel higiênico.
  • Redução do odor presente nos banheiros.

Uma alternativa à regulamentação seria o incentivo fiscal às empresas com selos nas embalagens admitindo o descarte do papel higiênico nos vasos sanitários, providos pela administração pública.

Em síntese, descartar o papel higiênico com capacidade de desintegração no vaso sanitário está mais alinhado com o conceito de uma cidade sustentável. No entanto, essa afirmação não se aplica às cidades que possuem um sistema adequado de destinação de resíduos sólidos e um sistema de esgotamento sanitário inadequado, pois nesse caso a solução mais adequada seria o descarte no cesto de lixo. Em casos em que ambos os sistemas são inadequados, é difícil determinar qual opção teria um impacto negativo maior. De toda forma, a produção do papel higiênico com capacidade de desintegração só tem vantagens a oferecer.

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Referências:

1Franco, C. Caracterização gravimétrica dos resíduos sólidos domiciliares e percepção dos hábitos de descarte no sul de Minas Gerais. Dissertação de mestrado. 2012.

2Brochado, R.P.S. Características do papel higiênico e suas implicações no sistema de esgotamento sanitário e na gestão de resíduos sólidos. Trabalho de conclusão de curso. 2018.

3IWSFG. International Water Services Flushability Group. Publicly avalilable specification (PAS) 1: 2020 Criteria for recognition as a flushable product.IWSFG – International Water Services Flushability Group. Who we are. Disponível em: <https://www.iwsfg.org/>. Acesso em 03 de agosto de 2023.