Remoção de nitrogênio amoniacal em ETEs: o que muda com a publicação da DN COPAM-CERH/MG n°08/2022?
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Autores: Lariza Azevedo e Thiago Bressani
A necessidade de remoção de nitrogênio amoniacal (N-amoniacal) em estações de tratamento de esgoto sanitário (ETEs) foi recentemente implantada em Minas Gerais a partir da publicação da Deliberação Normativa (DN) COPAM-CERH/MG n° 08/2022. Em âmbito federal, a Resolução CONAMA n° 430/2011 estabelece um limite de lançamento de N-amoniacal apenas para efluentes de origem exclusivamente industrial. Em todos os casos, a concentração de N-amoniacal no esgoto sanitário tratado não deve ferir os níveis toleráveis para a classe de enquadramento do corpo receptor, definidos na Resolução CONAMA n° 357/2005.
Alguns entes federativos têm promulgado legislações visando restringir o lançamento de N-amoniacal proveniente de ETEs em coleções hídricas. Exemplos de padrões de lançamento de N-amoniacal vigentes em diferentes estados do Brasil são sumarizados na tabela a seguir, na qual é possível observar que as concentrações máximas variam de 5 a 20 mg/L. Assim como a DN COPAM-CERH/MG n° 08/2022, que define a concentração máxima de N-amoniacal de 20 mg/L para o lançamento de efluente oriundo de sistemas de tratamento de esgoto sanitário, os estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina adotam o mesmo limite. Valores restritivos são observados na legislação do estado de São Paulo (Decreto nº 8.468/1976), a qual estabelece o limite máximo de 0,5 mg/L de nitrogênio amoniacal no efluente tratado para corpos d’água classes 2 e 3.
De modo geral, as ETEs brasileiras são concebidas visando exclusivamente a remoção de matéria orgânica carbonácea, usualmente sem prever a remoção de quaisquer frações nitrogenadas. A realidade das ETEs situadas no estado de Minas Gerais não é diferente. Nesse sentido, é necessário analisar as tecnologias de tratamento de esgoto atualmente implantadas no parque tecnológico do estado e o desempenho em relação à remoção de nitrogênio amoniacal, para que sejam definidas as adequações necessárias para atendimento ao novo padrão de lançamento estabelecidos pela legislação estadual ora vigente, a qual estabelece um prazo entre 5 e 7 anos para adaptação, a depender do porte da ETE.
Mas, por que é importante remover o nitrogênio amoniacal do esgoto sanitário?
As frações nitrogenadas no esgoto tipicamente sanitário encontram-se predominantemente nas formas de nitrogênio orgânico e amoniacal. A maior parte dos compostos de nitrogênio presentes no esgoto tem origem fisiológica (p.ex.: ureia) e usualmente resultam em concentrações na faixa de 15 a 25 mg/L para o nitrogênio orgânico e de 20 a 35 mg/L na forma de nitrogênio amoniacal.
Embora o nitrogênio seja indispensável para o crescimento de microrganismos necessários no tratamento biológico de esgoto, a presença de compostos reduzidos de nitrogênio (p.ex.: nitrogênio orgânico e nitrogênio amoniacal) no efluente final da ETE a ser lançado em cursos d’água pode levar à ocorrência do fenômeno de eutrofização e depleção do oxigênio presente no meio líquido. Tendo em vista que os impactos negativos associados ao lançamento de compostos nitrogenados em cursos d’água seriam reduzidos substancialmente a partir do controle da carga de nutrientes lançada advinda do esgoto sanitário, diversos países têm adotado padrões restritivos de lançamento de nitrogênio. A China, por exemplo, estabelece que as concentrações de nitrogênio amoniacal (N-amoniacal) e total no esgoto tratado devem ser inferiores a 5 e 15 mg/L, respectivamente (GB18918-2002)1.
Se as ETEs tradicionais usualmente não removem nitrogênio amoniacal, o que deve ser feito para que a remoção ocorra?
A oxidação bioquímica de nitrogênio amoniacal ocorre a partir do processo denominado nitrificação. Convencionalmente, o processo de nitrificação ocorre em duas etapas, ambas pela ação de grupos de organismos aeróbios autotróficos cuja fonte de carbono é o CO2 e a energia é obtida a partir da oxidação química, onde o nitrogênio amoniacal é utilizado como doador de elétrons e o oxigênio, como aceptor. Na primeira etapa, denominada nitritação, a amônia é oxidada e convertida em nitrito (NO2–), e na segunda etapa, denominada nitratação, o nitrito é oxidado e convertido em nitrato (NO3–). Em ambas as etapas, a oxidação dos compostos nitrogenados é governada pelo consumo de oxigênio livre. Logo, verifica-se que a oxidação do nitrogênio amoniacal (nitrificação), depende da oferta de oxigênio ao reator biológico aeróbio que compõe a rota tecnológica de tratamento de esgoto.
É importante distinguir os processos de nitrificação e de desnitrificação, uma vez que neste último é que efetivamente ocorre a remoção de nitrogênio total do esgoto. Trata-se de etapa complementar e posterior ao processo de nitrificação. A ocorrência da desnitrificação depende da oferta de carbono orgânico e nitrato (decorrente da nitrificação), para que em um ambiente sob condições anóxicas (ausência de oxigênio livre e presença de outro oxidante – nitrato, no caso), organismos heterotróficos assimilem o carbono oxidável, e o nitrato seja então reduzido a nitrogênio gasoso. Sendo assim, a remoção do nitrogênio total do esgoto de fato ocorre a partir da transferência do nitrogênio livre, na forma gasosa, para a atmosfera.
Embora a DN COPAM-CERH/MG n° 08/2022 estabeleça o padrão de lançamento para o N-amoniacal, não há menção ao nitrogênio total presente no efluente. De acordo com a legislação em questão, a fração nitrogenada presente no esgoto deve ser convertida a nitrito ou nitrato, de modo que a concentração de N-amoniacal efluente seja inferior a 20 mg/L. É importante destacar que o processo de nitrificação não remove o nitrogênio presente no esgoto, convertendo apenas a fração reduzida (N-amoniacal) a uma fração oxidada (nitrito ou nitrato). Assim, caso a tecnologia adotada contemple os requisitos necessários apenas para a ocorrência do processo de nitrificação, a concentração de nitrogênio total afluente e efluente à ETE permanecerá inalterada, diferindo entre si exclusivamente em função das frações nitrogenadas presentes (reduzidas ou oxidadas).
Considerando que o oxigênio é um dos requisitos necessários para a ocorrência da nitrificação, ETEs cuja tipologia de tratamento é exclusivamente anaeróbia (cerca de 35% das ETEs implantadas no estado de MG2), demandam a inclusão de unidades de pós-tratamento aeróbias que viabilizem a oxidação do nitrogênio amoniacal. No caso de ETEs que já possuem unidades aeróbias implantadas que possibilitam a remoção parcial de nitrogênio amoniacal, as mesmas podem ser adequadas e aprimoradas a fim de permitir que a eficiência seja suficiente para o atendimento ao padrão de lançamento definido pela DN COPAM-CERH/MG n° 08/2022.
Diversas intervenções para adaptação das ETEs existentes e alternativas tecnológicas são passíveis de serem incorporadas a fim de garantir o atendimento ao padrão de lançamento de N-amoniacal ora vigente em Minas Gerais (20 mg/L). Todavia, a adoção de tecnologias que compreendam processos e condições suficientes para a ocorrência da nitrificação por si só não é garantia de obtenção da eficiência desejada. É imprescindível a inclusão de rotinas de monitoramento adicionais às necessárias ao atendimento de critérios de lançamento (p.ex.: monitoramento do afluente às unidades de remoção de nitrogênio, para além do monitoramento da entrada e saída da ETE), a fim de garantir que a operação das unidades onde ocorre a remoção de nitrogênio amoniacal seja realizada de forma adequada.
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Referências:
1DU, R. et al. Advanced nitrogen removal from wastewater by combining anammox with partial denitrification. Bioresource Technology, v. 179, p. 497–504, 2015.
2ANA. Agência Nacional de Águas. Atlas esgotos: despoluição de bacias hidrográficas. Brasília: ANA, 2017, 88 p.