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Brasil, um país pluralmente díspar nos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

17/03/2023, 16:48:15, última atualizacao 21/06/2023

11 min de leitura

Autores: Thiago Morandi e Lucas Vassalle

O acesso à água segura e ao esgotamento sanitário é essencial para a manutenção da qualidade de vida e saúde de qualquer população, além de ser direito humano essencial, fundamental e universal, garantido pela Organização das Nações Unidas (ONU)1.

Regida pelos princípios fundamentais da universalização, equidade e integralidade do acesso e efetiva prestação dos serviços, a Lei Federal nº 14.026/2020 definiu como metas o atendimento de 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto até 31 de dezembro de 2033.

Ok, existem metas estabelecidas pela legislação…

Mas, qual é a situação atual do país em relação ao abastecimento de água e esgotamento sanitário? Há diferença entre os índices de atendimento das regiões do país?

Neste blog, trazemos um panorama da cobertura dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário no Brasil.

Para tanto, utilizamos os dados consolidados por municípios disponibilizados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) referente ao ano 20212 (publicação mais recente até o momento).

Importante mencionar que as informações advindas do SNIS são levantadas por questionários disponibilizados aos prestadores dos serviços, tratando-se de informações autodeclaradas, e que retratam a realidade quase que exclusivamente das áreas urbanas.

Esse formato possui algumas limitações, por exemplo: a não participação de um prestador gera a ausência de informações sobre os serviços no município; a possibilidade de preenchimento incorreto ou de inconsistência das informações; a limitação na quantificação da população que não é atendida pelo prestador do serviço, mas que pode inclusive utilizar de outras formas adequadas de atendimento; e a não abrangência de indicadores sobre os aspectos qualitativos da prestação dos serviços e a apropriação/adesão das tecnologias utilizadas, sobretudo quando diz respeito ao eixo de esgotamento sanitário. De toda forma, é uma fonte importante de análise e comparação entre os municípios que realizam o preenchimento, salvaguardadas as limitações apontadas anteriormente.

Os dados do Censo Demográfico expressam as condições de saneamento da população e de domicílios particulares permanentes nas áreas urbanas e rurais, incluindo a existência de soluções sanitárias individuais. Contudo, também não apresentam informações qualitativas que permitam avaliar a qualidade das soluções individuais e dos serviços prestados e os aspectos referentes à apropriação/adesão. Outro entrave é a questão temporal, uma vez que o último Censo Demográfico foi realizado em 2010 e, desde então, mudanças significativas ocorreram, podendo não refletir idealmente a situação do acesso ao saneamento básico atual. Desta forma, esses dados, embora fundamentais para a análise e planejamento visando a ampliação dos índices de atendimento tanto no ambiente urbano como rural não foram objeto da análise ora apresentada.

Vamos começar pela situação do atendimento por serviços de abastecimento de água?

Visão geral da cobertura dos serviços de abastecimento de água

Para analisar o atendimento da população por serviços de abastecimento de água (AA), foram selecionados os indicadores IN023 e IN055, que retratam o atendimento da população urbana e total, respectivamente. Neste caso, para o ano de referência, não havia informações de 5,3% dos municípios para o indicador IN023 e de 4,6% para o indicador IN055.

A partir desses indicadores, o panorama do atendimento por serviços de AA foi desenvolvido considerando as regiões geográficas e Unidades Federativas do Brasil. Destaca-se que para todas as unidades de análise o atendimento em áreas urbanas é superior ao total. Isso ocorre principalmente devido à predominância da atuação dos prestadores de serviços em áreas que possibilitam soluções coletivas (usualmente urbanizadas), sendo que as soluções individuais, mais frequentes em áreas rurais, não são consideradas nos dados levantados pelo SNIS.

Regiões geográficas

  • Apenas a região Norte possui atendimento por serviços de AA da população residente em áreas urbanas inferior a 90% (aproximadamente 72%), em contraste principalmente às regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul que possuem mais de 95% da população dessas áreas atendidas.
  • Observa-se que em todas as regiões os índices de abastecimento urbano de água superam o índice total de abastecimento. Isso ocorre devido à dificuldade de abastecimento em áreas rurais e semiárido. Esta percepção é evidenciada quando se analisa as regiões Norte e Nordeste, onde essa diferença é de 10% e 15% respectivamente. Para as demais regiões essa diferença é igual ou menor que 5%.
  • Constata-se nas regiões Nordeste e Norte índices da população total de aproximadamente 59% e 74%, respectivamente, enquanto o restante das regiões possui índices superiores a 90% de atendimento.
  • Em relação à meta de 99% da população atendida em 2033, as regiões Sudeste e Sul são as mais próximas do objetivo, com percentuais próximos de 92% da população total atendida por serviços de AA.

Gráfico AA 1

Unidades Federativas

  • Est IN055 v4Dentre as 27 Unidades Federativas, apenas 5 estão próximas da meta de 99% de atendimento por serviços de abastecimento de água, com índices superiores a 90% (Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Distrito Federal).
  • Destas, apenas o Distrito Federal possui índice de atendimento suficiente para a meta estabelecida (99%).
  • As Unidades Federativas com piores índices estão localizadas nas regiões Norte e Nordeste. Chama atenção a situação dos estados do Amapá, Roraima, Pará, Acre, Maranhão e Ceará. Nestas Unidades Federativas, o índice de atendimento é inferior a 60%, com a necessidade de um elevado salto na ampliação dos serviços de AA para alcançar a meta.
  • Ao analisar o atendimento da população urbana, a maior parte das Unidades Federativas (16 das 27) possuem índices entre 60 e 90%.

Gráfico AA 2

E a situação do esgotamento sanitário, será que é parecida com a do abastecimento de água?

Visão geral da cobertura dos serviços de esgotamento sanitário

Para quantificar o atendimento da população por serviços de esgotamento sanitário (ES), foram selecionados os indicadores IN024 e IN056, que retratam o atendimento por coleta da população urbana e total, respectivamente. Além disso foi estimado o percentual de população total atendida por coleta seguida de tratamento de esgoto através da multiplicação dos indicadores IN056 e IN016 – índice de tratamento do esgoto coletado. Salienta-se que para a avaliação do atendimento por ES não havia informações de 50,4% dos municípios para o indicador IN024, de 50,1% para o indicador IN056 e de 49,62% para o indicador IN016.

Assim como para o abastecimento de água, o panorama do atendimento por serviços de ES foi elaborado considerando as regiões geográficas e Unidades Federativas do Brasil. Destaca-se que para todas as unidades de análise o atendimento em áreas urbanas é superior ao total. Além do apontamento realizado anteriormente, para o esgotamento sanitário, há ainda uma particularidade com relação às soluções individuais, uma vez que há diversas soluções alternativas (vide exposto no Programa Saneamento Brasil Rural – PSBR)4, que muitas vezes são erroneamente consideradas como soluções inadequadas.

Regiões geográficas

  • Em geral, há um grande déficit de atendimento por coleta de esgoto, mesmo para a população residente em áreas urbanas, sendo que apenas a região Sudeste possui mais de 80% da população atendida pelo serviço (população urbana e total).
  • As regiões Norte e Nordeste possuem os menores índices de atendimento da população por coleta de esgoto (14% e 30% respectivamente) e, consequentemente, menores percentuais de população total atendida por coleta seguida de tratamento.
  • Atualmente nenhuma das regiões geográficas alcança a meta estabelecida Lei Federal nº 14.026/2020 para 2033, de 90% da população atendida. As duas regiões mais próximas são o Centro-Oeste e o Sudeste, com percentuais próximos de 59% e 63%, respectivamente, da população total atendida por serviços de esgotamento sanitário.

Gráfico ES 1

Unidades Federativas

  • Est Coleta seguida de tratamentoApenas o Distrito Federal possui mais de 90% da população atendida por coleta e tratamento de esgoto, sendo observado déficit considerável nas demais Unidades Federativas.
  • Das 27 Unidades Federativas, 24 tem menos de 70% da população atendida por coleta seguida de tratamento, indicando uma lacuna notável em relação à meta de 90% de atendimento até 2033.
  • Os menores índices de atendimento por coleta e tratamento de esgoto concentram-se majoritariamente nas regiões Norte e Nordeste. Apesar do baixo percentual de atendimento por sistema coletivo, em Santa Catarina grande parcela da população faz uso de soluções individuais.
  • Em relação ao atendimento por coleta de esgoto da população total, 18 Unidades Federativas possuem percentual inferior a 50% (concentradas principalmente nas regiões Norte e Nordeste) e apenas 4 superiores a 70%.
  • Ao analisar o atendimento por coleta de esgoto da população urbana, 22 Unidades Federativas distribuídas por todas as regiões geográficas possuem percentual inferior a 70%, porém é possível observar os menores índices de coleta nas regiões Norte e Nordeste.

Gráfico ES 2

É nítido o significativo déficit de cobertura por coleta e tratamento de esgoto em praticamente todos os estados do Brasil.

De forma geral, há necessidade de expansão de rede coletora, observada a partir de ambos os índices de atendimento por coleta, mas principalmente pelos baixos percentuais em áreas urbanas. Em conjunto com a ampliação da coleta, há necessidade de expansão do parque de estações de tratamento de esgoto (ETEs) – uma vez que o esgoto coletado deve ser direcionado para tratamento, que atualmente podem não ter capacidade para receber esse acréscimo de vazão. Apresentando-se uma oportunidade para adequação ou implantação de novas ETEs, de forma a considerar os preceitos sustentáveis de aproveitamento de subprodutos e seus benefícios econômicos e ambientais.

Salienta-se que a expansão do parque de tratamento é uma medida estrutural importante para suprir a necessidade de demanda de um determinado local. Entretanto, em conjunto a este tipo de medida, é também necessária a implementação de medidas estruturantes, tais como capacitação técnica e sensibilização dos usuários do sistema. A importância de concatenar o investimento em infraestrutura e capacitação possibilita uma maior chance de perenidade e sucesso no alcance das metas estabelecidas para 2033. Ademais, importante ressaltar que a implantação de sistemas coletivos não é sempre a melhor opção, e a adoção de soluções individuais adequadas, principalmente em áreas rurais isoladas pode ser a escolha mais apropriada. Essa definição deverá ser estudada caso a caso, considerando as características locais de cada projeto.

Importante mencionar que as análises apresentadas referentes aos índices de atendimento consideraram a população urbana e total por estado. Entretanto, diferentes situações são verificadas ao se analisar os municípios individualmente, sendo observados alguns municípios em situações melhores (com maiores índices de atendimento por formas adequadas de abastecimento de água e esgotamento sanitário), e outros em situações piores (com adoção de soluções precárias ou com inexistência de soluções de abastecimento de água e esgotamento sanitário), em relação aos índices apresentados de forma geral para os estados.

Caso queira saber mais sobre como migrar de uma ETE Convencional para uma ETE Sustentável, ou mesmo estabelecer fluxogramas de processo de tratamento para expansão ou instalação de novas estações de tratamento de esgoto entre em contato com nossa equipe!

Atuamos desde estudos sobre o potencial de aproveitamento de subprodutos (lodo de esgoto, biogás e água para reúso), passando pela análise e proposição de fluxogramas de processo de tratamento de esgoto, até o desenvolvimento de modelos de negócio e capacitação técnica.

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Notas:

1 ONU. Organização das Nações Unidas. Assembleia Geral. Resolução 64/292. Disponível em: < https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N09/479/35/PDF/N0947935.pdf >. Acesso em 27 jan. 2023.

2 SNIS. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Brasil. Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2021. Brasília: Secretaria Nacional de Saneamento, Ministério do Desenvolvimento Regional, 2022. 92 p.

3 Foram observadas inconsistências nos resultados de atendimento da população em área urbana do Rio de Janeiro (RJ) devido à ausência de dados nas informações AG026 e ES026 para 29 e 41 municípios, respectivamente. A ausência dessas informações gerou valores incoerentes aos que vinham sendo reportados nos anos anteriores, influenciando não só os resultados do estado, mas também da região geográfica. Portanto, adotou-se os percentuais de atendimento reportados para o estado do RJ no ano de 2020. Conforme referência: SNIS. Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. Brasil. Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos – 2020. Brasília: Secretaria Nacional de Saneamento, Ministério do Desenvolvimento Regional, 2021. 91 p.

4 PSBR. Programa Saneamento Brasil Rural. 2019. Disponível em: <http://www.funasa.gov.br/programanacional-de-saneamento-rural-pnsr>. Acesso em 17 out. 2022.

5 ANA. AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Atlas esgotos: Despoluição de bacias hidrográficas. Brasília: ANA, 2017.